Clique na imagem para ampliar Dois milênios depois de terem sido escritos e seis décadas após sua descoberta no deserto da Judeia, os mais famosos Manuscritos do Mar Morto podem agora ser lidos on-line. As reproduções integrais e em alta definição dos originais, colocadas na rede na semana passada graças a uma parceria entre o Google e o Museu de Israel, incluem o Livro de Isaías, o Livro das Regras da Comunidade, o Comentário sobre (o profeta) Habakkuk, o Livro do Templo e o Livro da Guerra. O Livro de Isaías, o mais extenso (734 centímetros) e em melhor estado de conservação, é o maior destaque. Datado de 125 a.C., é também um dos mais antigos textos bíblicos, provavelmente 1 000 anos anterior à versão mais velha da Bíblia hebraica conhecida antes de sua descoberta. Os Manuscritos, cujo nome decorre de terem sido encontrados em onze cavernas às margens do Mar Morto no período de 1947 a 1956, reúnem 950 pergaminhos e papiros, escritos em hebraico, aramaico e grego entre o século III a.C. e a década de 60 do primeiro século. Muito do material está reduzido a fragmentos, que têm sido arduamente remontados por especialistas.
A publicação na internet é uma iniciativa para ampliar o acesso aos originais, com os quais só um seleto grupo de estudiosos tem contato direto. Eles estão guardados numa espécie de caixa-forte construída para esse propósito em Jerusalém. Imagens dos manuscritos já foram publicadas antes na internet, inclusive pelo Museu de Israel. Mas o programa desenvolvido pelo Google é o mais completo, com melhor resolução de imagem e o de mais rápido acesso. ''Recuperamos trechos perdidos, que eram invisíveis a olho nu. Os versículos 9 e 10 do capítulo 2 do Livro de Isaías, por exemplo, estão ilegíveis nos pergaminhos originais, mas aparecem na versão digital'', disse a VEJA Yossi Matias, diretor do Centro de Tecnologia e Desenvolvimento do Google em Israel. O resultado é que agora qualquer pessoa pode examinar esse patrimônio histórico com a acuidade de quem dispõe do original. Para facilitar a consulta, basta um clique para obter a tradução para o inglês dos versículos (a tradução nestas páginas foi feita diretamente do hebraico para o português pelo professor Edson de Faria Francisco, da Universidade Metodista).
O fascínio exercido pelos manuscritos decorre do que revelam sobre o contexto histórico e religioso em que se desenvolveu o cristianismo. Eles são, nas palavras do historiador inglês Paul Johnson, ''a chave da compreensão tanto de Deus quanto do homem''. Como uma máquina do tempo, os escritos remetem diretamente às vozes do passado, sem o ruído dos cronistas posteriores. Só no Livro de Isaías foram encontradas 2 600 variantes em relação ao Texto Massorético, manuscritos medievais que serviram de base para as bíblias modernas. ''São letras, palavras e versos que divergem do Massorético'', diz o professor Francisco, autor de Manual da Bíblia Hebraica — Introdução ao Texto Massorético. O Livro de Isaías é composto de 66 capítulos distribuídos por 54 colunas. Estudos modernos indicam que se trata, na verdade, de uma antologia. A primeira parte, do capítulo 1 ao 39, é atribuída ao próprio Isaías, o mais popular dos profetas de Israel. A segunda é creditada a um anônimo, que teria vivido 150 anos depois, no período do exílio na Babilônia. O profeta marca a transição do judaísmo de uma crença local para uma religião universalista. Sob a ótica cristã, suas profecias referem-se à concepção e vida de Cristo. O fato é que muitas das profecias do Livro de Isaías se tornaram o alicerce da civilização judaico-cristã. Talvez a mais exemplar seja a visão de paz universal no fim dos tempos. Ainda é um mistério quem reuniu e escondeu os Manuscritos do Mar Morto. A maioria dos historiadores acredita que tenha sido uma seita ascética judaica, os essênios. Uma possibilidade é que tenham sido sacerdotes judeus, para proteger os textos das legiões romanas. Seja quem for, deixou um espetacular legado à humanidade, que agora pode ser apreciado on-line. (Veja.com/Redação)