diHITT - Notícias Arolde de Oliveira: Crônica de Yvelise de Oliveira

quarta-feira, 24 de março de 2010

Crônica de Yvelise de Oliveira


A morte entrou pela porta e sentou na minha sala

Dona Morte entrou pela porta da minha casa e se instalou confortavelmente em algum dos meus sofás.

"Essa senhora sinistra" começou com o meu jardim.

A casa foi feita para o jardim. Toda cercada de flores coloridas, as singelas "Marias sem vergonha" abraçavam tudo como em um buquê. Por dentro da casa e pelo lado de fora junto dos muros o colorido das flores, na rua, aconchegavam a frondosa amendoeira em um abraço carinhoso em frente à casa.

Mas as plantas foram morrendo sem motivo e o jardim todo florido foi ficando sem vida e sem cor...

Se foi o sol, o calor, muita água, o jardineiro mesmo não sabia dizer... Mas lutei. Comprei terra adubada e centenas de mudas de "Maria sem vergonha", lilases, grama inglesa. Enfim, plantei tudo de novo, mas o jardim nunca mais foi o mesmo. Minhas orquídeas morreram aos montes no orquidário branco que fiz para cuidá-las. Amo plantas.

Indo mais fundo, Dona Morte matou minha gata Sara. A porta foi esquecida aberta e ela pulou para a casa da vizinha ? morreu na hora. Os cachorros quebraram seu frágil pescocinho.

Lamentei por dias sua morte e chorei sentida a sua falta.

Mas a gente não sabe o futuro e esperei sempre que tudo fosse melhorar.

Sem doença, sem nada, a mãe do meu marido, D. Margarida, morreu. Uma morte serena. Dormiu e não acordou. Sua jornada tinha acabado.

Foi uma tristeza grande. O consolo ficou apenas na suavidade com que Dona Morte agiu.

Assim que a gente começa a respirar mais aliviado, o consolo vem vindo, porque minha sogra viveu 91 anos, jovial e saudável.

Nesse ano que passou nós a vencemos quando meu marido teve um câncer e pensei que iria perdê-lo. Mas a mesma fé que o curou completamente não consegui tirar o medo que veio morar dentro de mim.

Logo eu, tão segura, tão confiante, tão cheia de planos, passei a temer o confronto com ela: a "Sinistra Senhora".

Depois passei a desconsiderá-la: "Não. Já perdi gente demais, um filho pequeno , minha mãe, meu pai, minha amiga querida. Perdas que fazem parte da vida quando se é jovem."

Mas Dona Morte instalou-se. Minha casa grande, branca e bela tornou-se sua morada predileta.

Em um sábado de céu azul e o sol brilhando, um dia tipicamente carioca, a família se reuniu para almoçar. Na mesa, sorriso e comida farta, muito papo jogado fora.

Benoni, meu filho, tinha agora um novo hobby: voar de ultraleve, um avião monomotor.

Todos já tinham voado com ele: meus netos, sua esposa, meu marido e as centenas de amigos que ele, com seu jeito de menino grande e coração doce, conquistava.

Nesse sábado, ele me convidou animado: "Vamos, mãe, vamos voar, é lindo. A gente se sente um pássaro". Emocionava a forma como ele descrevia o vôo, uma aventura única, um prazer indescritível. Ver o Rio assim, de cima, sua cidade que ele tanto amava.

Vou enjoar, respondi, acabei de almoçar. Vou amanhã, eu prometo.

Meu genro, um jovem homem amável e tranquilo, nada dado a aventuras perigosas disse: "Eu vou. Vou fotografar todo o Rio, o Cristo. O dia está claro como cristal".

Meu genro era um grande fotógrafo, tinha uma visão artística peculiar de luz e sombra.

Assim os dois saíram rindo felizes. O Sérgio, meu genro, com sua máquina super Nikon pendendo do pescoço. Alto, magro e sorridente como seu cunhado. Eram muito diferentes, mas tinham em comum a camaradagem.

Nesse dia claro e cheio de sol, Dona Morte resolveu dar um golpe fatal.

Enquanto o dia ia findando e o sol tornava o céu rosa em tons de púrpura e lilás, meu filho foi aterrizar seu avião, pequeno, leve como um brinquedo mortal.

O vento, sim, o vento que ele tanto amava virou o avião. Caíram na lagoa e morreram os dois na mesma hora.

Tantos planos, tantos sonhos, tanta juventude assim cortada, desperdiçada.

Morto meu filho, os bombeiros o tiraram da lagoa, o coloquei no meu colo. Pareceu dormir. Tão lindo.

Um garrote me apertou a alma. Uma dor assim não se limita, não se escreve, não se consegue sabotar.

Perplexa, vi que era verdade... Meu filho amado, meu filho morto, em meus braços eu embalei.

A dor é muito particular, íntima e, para mim, incurável. Não vou superar, já estou velha, cansada. Vou apenas suportar enquanto der, lutando para preservar a minha fé, manter o meu coração em Cristo, desejando que Deus permita que meu tempo aqui na Terra não seja tão longo.

Como não pude te dizer, meu Deus: Ainda não, ainda não. E rogar: Por favor, não o deixe ir agora. Não me lance nessa noite tenebrosa.


Yvelise de Oliveira 15/02/2010

4 comentários:

Thereza Christina Pereira Jorge disse...

Dona Yvelise,
Há textos que ficam para sempre. Ficam até depois da morte. São maiores que ela.
Este seu texto é um deles. Vou guardar. Vou deixar para os meus filhos.
Thereza

Blog Informativo disse...

Lindo, lindo, lindo!

Unknown disse...

Tia Yvelise e Tio Arolde,
Muito mais que lindo e eterno é tão profundo e claro que incendeia a alma, sendo ao mesmo tempo um belo testemunho sincero de entrega ao PAI.
Saibam que estamos juntos vivendo e sofrendo essas perdas, apesar de distantes estamos unidos de coração e em oração a DEUS.
Beijos...
Que a Paz de Cristo invada e ilumine os nossos corações feridos e abatidos.

ALBERTO disse...

Dona Yvelise por favor nao fique triste,sei que esta tragedia foi grande,porem um dia na gloria veremos o benoni e o sergio la,essa é nossa esperanca.

CONTINUE SUA MISSAO(E DO AROLDE) AQUI NA TERRA NOS TRANSMITINDO AMOR PELA OBRA 93 FM E PELA VOZ DA SUA FILHA QUE TANTO NOS ABENCOA.

QUE O ESPIRITO SANTO DE DEUS(CONSOLADOR FIEL)INUNDE O SEU CORACAO DE ESPERANCA,MESMO NESTA VIDA,AS VEZES INGRATA.

ALBERTO-SAO GONCALO